Brasil domina o Surf

Uma nova ordem mundial: a seleção imbatível não é a de futebol!

Em época de copa do mundo o assunto dominante é futebol e o favoritismo ou não de nossa seleção. Aproveitando o gancho patriótico, resolvi fazer uma análise da situação atual da nossa seleção de Surf – por coincidência são 11 no WCT - que essa sim é favoritíssima sem sombra de dúvidas, como nunca foi na história.

Claro que Surf é um esporte individual, mas o “esquadrão” brasileiro tem o maior contingente, mais bem preparado, mais talentoso e está dominando as primeiras posições do ranking desse ano! A famosa “brazilian storm” que surgiu há alguns anos como uma mudança de patamar e e até de paradigma do Surf brasileiro ganhou ainda mais força e desbancou, de verdade, as outras potencias mundiais de Surf, dominando e pintando de verde e amarelo o Surf mundial.

Entre os 5 primeiros colocados no WCT, 4 são brasileiros. No WQS entre os 7 primeiros, nada menos do que 5 são brasileiros! Além dessa evidência quantitativa que elimina qualquer argumento contrário, ao se fazer uma análise mais qualitativa dos brasileiros bem colocados versus os surfistas dos outros países, fica ainda mais evidente a superioridade técnica dos brasileiros. Quando olhamos as melhores performances dos novos talentos mundiais no WQS e campeonatos juniores, uma porção muito representativa é de brasileiros.

Ranking do WCT

Brasil domina o ranking de surf

Ranking do WQS

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Vencedores das últimas etapas do WCT

Brasil domina as vitorias do Surf

Essa não é uma opinião somente minha ou de alguns brasileiros. A imprensa “gringa” especializada, assim como muitos outros especialistas e ex- surfistas profissionais da Austrália e EUA estão preocupados com essa mudança de guarda e têm debatido e tentado entender o porquê dos brasileiros estarem chegando tão fortes nos campeonatos e dominando o Surf mundial. Há diversos pontos de vista, hipóteses e explicações. Eu acredito que não há uma explicação completa e óbvia para essa nossa dominância, mas sim uma soma de fatores que juntos elevaram os brazucas ao topo do pódio.

Uma das hipóteses, defendida por muitos australianos, é de que a vida na Austrália é muito boa e tranquila e que essa falta de dificuldade acaba levando o surfista jovem a não precisar correr muito atrás de dinheiro e campeonatos, e muitos acabam confortavelmente como free surfers. Seguindo essa linha de raciocínio, eles acreditam que como a vida no Brasil é muito mais difícil e muitos surfistas jovens são pobres, o brasileiro desde sempre tem aquela vontade e competitividade extra, e que isso gera resultados nos campeonatos. Para os americanos, o efeito seria parecido ao que ocorre na Austrália.

Talvez isso explique um pouco do nosso êxito mas essa explicação estaria no mínimo incompleta. Outra corrente de pensamento alega que com o crescimento da economia do Brasil na década de 2000 e o aumento consequente da classe média possibilitaram as grandes marcas mundiais a investirem mais nos brasileiros, e que isso levou esses jovens brasileiros a surfarem as melhores ondas do mundo desde cedo, contribuindo para um Surf mais completo.

Eu acho que um fator que quase ninguém comenta, mas que é dos mais importantes para essa geração de surfistas brasileiros ser tão vitoriosa é o fato de termos entendido antes dos demais atletas que o Surf atual é um esporte de alto rendimento e performance, como ocorre com muitos outros esportes. Explico: por muito tempo o Surf era um esporte de americanos e australianos que tinham um estilo de vida “easygoing” e como tinham acesso as melhores ondas do mundo, acabavam se destacando nas competições.

Esse estilo “layback” foi a regra no Surf por muitos anos, e ainda hoje aparece muitas vezes nos discursos de alguns profissionais que alegam que estão ali no campeonato para se divertir e pegar uns tubos. Algumas exceções a essa regra, obviamente surgiram e Kelly Slater é o maior exemplo de mentalidade competitiva e profissionalismo em todos os sentidos. Entretanto, o inconsciente coletivo do Surf ainda carregava esse amadorismo e paixão descomprometida pelo esporte. Mas isso tem mudado ao longo dos anos e mais recentemente de forma mais abrupta.

Os brasileiros, salvo algumas exceções, parecem ter incorporado esse profissionalismo no Surf de forma mais completa e estruturada. Verdadeiras equipes formadas por: preparadores físicos, nutricionistas, médicos, “coaches”, família, fotógrafos, etc., acompanham os brasileiros ao longo das etapas e muitas vezes no freesurf também, dando apoio psicológico e segurança a esses atletas. Muitos gringos ainda não entenderam essa mudança de paradigma do esporte, de semiprofissional a muito profissional.

post-blog-treino-medinafoto: globoesporte.com/euatleta

Um outro fator que vou chamar de “Efeito Medina” contribuí decisivamente para impulsionar o fenômeno da Brazilian Storm. O sucesso do Medina desde cedo e culminando com o título mundial influenciou e ainda influencia toda uma geração de surfistas brasileiros. O Surf caiu na mídia em 2014 durante a campanha e o título mundial vencido por Medina em Pipeline, e desde então, talvez não com a mesma força mas muito mais do que antigamente, o Surf vira e mexe atinge as mídias mais tradicionais. Isso levou grandes empresas, que não são do meio do Surf, a investirem em muitos atletas, o que permitem esses atletas a terem uma estrutura melhor e mais tranquilidade para desempenhar melhor.

O efeito Medina levou os atletas que já estavam no Tour a acreditarem que também poderiam ser campeões mundiais, além de mostrar aos pais dos novos talentos que o Surf pode sim ser uma carreira de sucesso e de bons rendimentos financeiros. Isso incentiva novos bons talentos a seguirem os passos dos ídolos e colocar todas as cartas de sua vida no Surf.

Nesse momento, a roda da fortuna do Surf gira a nosso favor. O espírito de equipe e irmandade que de certa forma estão enraizados em nossa cultura e também a língua portuguesa acabam unindo mais ainda os surfistas brasileiros do Tour. Todos esses fatores juntos e combinados parecem contagiar e espalhar o espírito de vitória e êxito.

brasileirsos-wct

A vida vem em ondas, e com certeza, os gringos vão tomar medidas e iniciativas para tentar reverter e eventualmente parar a roda de vitórias brasileira. Fatores internos, como por exemplo, a crise política e financeira que o Brasil enfrenta há anos pode desestimular investimentos e estancar essa boa fase. A falta de um circuito nacional e de incentivo nos campeonatos locais pode eventualmente ser um problema para nossas gerações futuras.

Oxalá que não, e que essa onda positiva no Surf brasileiro seja como Chicama, quase sem fim!

Aloha, Caio Siqueira